O Dilema das Redes em números

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O Dilema das Redes é um documentário recém lançado pela NETFLIX que aborda um tema muito caro na atualidade: nossa relação com as diversas plataformas de redes sociais. Você já deve ter percebido o quão viciante pode ser rolar o feed de notícias para saber tudo o que está acontecendo no seu círculo, ou bolha, social. A questão aqui é que talvez você não esteja vendo tudo.

O Dilema das Redes e as eleições americanas

O timming de lançamento do documentário, 9 de Setembro de 2020, é estratégico e tem uma relação direta com as eleições presidenciais americanas. Como você já deve saber, o presidente Donald Trump ganhou as últimas eleições presidenciais americanas com uma estratégia agressiva e muito eficaz nas redes sociais, que envolveu o acesso ilegal aos dados pessoais de milhões de eleitores americanos.

A partir das informações pessoais, os estrategistas de campanha puderam direcionar fake news para as pessoas que estariam mais propensas a votar em Hilary em estados chave para as eleições. Se você quiser conhecer em detalhes como isso aconteceu, veja o documentário chamado Privacidade Hackeada, também da NETFLIX.

Essa estratégia inspirou a campanha de outro presidenciável, que acabou sendo eleito no Brasil em 2018. O acesso aos dados pessoais e o uso estratégico das redes sociais pelos candidatos se mostrou decisivo nos processos eleitorais dos últimos anos. Se antes as redes sociais foram a plataforma para o surgimento de movimentos democráticos como a Primavera Árabe, atualmente elas são um território de divulgação de fake news e propagação de discursos de ódio, abrindo espaço para governos de perfil autoritário e negacionista.

Vivemos uma verdadeira guerra de informação no ambiente digital. Milhões de dólares são investidos para desconstruir fatos concretos e produzir discursos de ódio com o objetivo de angariar mais eleitores, criando uma plataforma de sustentação do poder político. Terraplanismo, teorias da conspiração, negacionismo científico, racismo, xenofobia e movimentos anti-vacina passaram a fazer parte do mesmo pacote.

O Dilema das Redes coloca o dedo nessa ferida, mostrando o funcionamento dessas plataformas e aprofundando ainda mais as questões já apresentadas em Privacidade Hackeada.

O Dilema e sua estratégia de abordagem

O gênero documentário se caracteriza por ser um recorte da realidade sob o ponto de vista de quem está dirigindo a obra. Desse modo, a maneira como o autor do documentário aborda o seu assunto passa a ter uma importância estratégica para a construção da narrativa e da obra final.

Anteriormente aqui no Blog falei sobre esse assunto usando o longa Santiago, do cineasta João Moreira Salles, como um exemplo prático de como a estratégia de abordagem pode influenciar no resultado final da obra. O Dilema das Redes fez um ótimo uso de diferentes estratégias narrativas típicas do documentário, num mix muito bem trabalhado.

Dramatização, exposição e reflexão são algumas das estratégias que podemos ver em O Dilema das Redes. O gênero de documentário performático utiliza a dramatização como uma ferramenta narrativa que dá suporte para a construção, ou ilustração, de um raciocínio ou ponto de vista. No gênero expositório, temos explicações desenvolvidas por meio do encadeamento de argumentos e no gênero reflexivo o documentarista tenta provocar dúvida e reflexão no seu expectador.

Nesta obra em específico, o gênero predominante é o expositório. Existe toda uma tese que é desenvolvida sobre como as pessoas podem estar sendo enganadas pelos algoritmos, que se mostraram bastante imperfeitos e potencializadores de manipulação.

O segundo gênero mais presente é o performático. A obra usa do recurso da dramatização para que a audiência se identifique com o personagem principal e entenda de modo prático os conceitos que estão sendo expostos.

O mérito deste documentário está em usar a dramatização na medida certa e do jeito certo, trazendo uma história que tem um arco de transformação negativo para o protagonista. Essa transformação negativa é provocada justamente por aquilo que o documentário se propõe a denunciar.

Na medida em que as exposições nos entregam mais informações sobre o assunto, as sequências de dramatização nos entregam as consequências. O público pode se ver na tela ao se identificar com o protagonista da dramatização. Os paralelos entre essa ficção e a realidade são inevitáveis.

Outro ponto interessante no uso da dramatização é que existe ali uma pitada de exposição também. Para exemplificar como os algoritmos das redes sociais vão nos conhecendo cada vez melhor a partir do maior uso que fazemos dessas redes, eles construíram uma persona virtual do protagonista que começa com um formato humanoide e vai se tornando cada vez mais parecido com o personagem na medida em que ele utiliza mais as redes sociais.

O gênero reflexivo aparece em alguns momentos da obra, quando o documentarista provoca a audiência a respeito do uso que fazemos das redes e sobre como não estamos atentos à possível manipulação que sofremos.

O documentário é capaz de influenciar as pessoas?

Seria o documentário capaz de influenciar as pessoas que o assistem? A resposta é sim. Um levantamento realizado pela empresa de análise de dados, Decode, mostra que parte do público engajou na causa. No terceiro ato de O Dilema das Redes o público é estimulado a cancelar sua conta no Facebook e a não acessar os vídeos e publicações recomendados pelo YouTube.

As buscas no Google sobre como desativar a conta do Facebook cresceram 250%. Desativar notificações no Instagram teve um crescimento de 110% enquanto a pesquisa pelo termo excluir conta cresceu 100%. No Twitter, 44% dos usuários relataram que tem vontade de diminuir o uso que fazem dessas redes.

O Dilema das Redes em dados

É importante lembrar que as redes sociais são uma mídia e a mídia é frequentemente alvo de ataques e denúncias sobre seu potencial de manipulação. Nas décadas de 90 e 2000 era comum as pessoas denunciarem a televisão e os jornais como os grandes manipuladores das massas.

Atualmente, as redes sociais fazem esse papel de modo muito mais eficiente. Quanto mais cedo as pessoas acordarem para esse fato, menos vulneráveis à manipulação elas vão estar. Muitos de nós já aprenderam a filtrar as opiniões e informações que são transmitidas pelos veículos tradicionais de mídia. Com o tempo, essa clareza também deve chegar às novas mídias. Até lá, obras como as mencionadas neste artigo se mostram muito necessárias.