O Poço

O Poço é um filme espanhol, dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia e escrito pela dupla David Resola e Pedro Rivero, que chegou na NETFLIX em Março de 2020 e chamou a atenção pela sua narrativa impactante e temática polêmica. Muita gente está falando sobre esse filme e o motivo é óbvio (quem já assistiu pegou referência).

O Poço

O filme aborda o tema da luta de classes e da vida em sociedade com uma metáfora representada por uma prisão vertical. Com um número desconhecido de andares, cada um contendo dois presos, as celas são em formato quadrado com um buraco também quadrado ao centro.

Os presos podem se alimentar apenas uma vez ao dia quando uma plataforma desce através do quadrado no centro da cela. Ela carrega um verdadeiro banquete e fica parada por apenas 2 minutos em cada andar antes de descer ao próximo nível.

A distribuição dos presos nos níveis dessa prisão é feita de modo aleatório a cada mês. Então quem está no topo num determinado mês, recebendo uma grande quantidade de comida, pode estar num nível bastante inferior no mês seguinte, lutando contra a fome.

O Poço é uma crítica ao capitalismo?

Sim e não. Na verdade o filme traz uma reflexão sobre a vida em sociedade independentemente do sistema econômico ou político. Ele está muito mais próximo de retratar um comportamento individual das pessoas do que fazer uma crítica direta ao capitalismo ou ao socialismo.

Se o sistema de níveis dessa prisão faz uma correlação direta com a lógica capitalista, trazendo o embate entre opressor e oprimido, as hierarquias e os privilégios que custam vidas, por outro lado os ideais socialistas do protagonista também não conseguem reverter a lógica por trás dessa prisão, gerando também muitas mortes pelo caminho.

O Poço cria uma situação de extremos para apresentar o comportamento irracional que todos nós temos em certa medida quando somos expostos ao perigo. Pensamos apenas nas nossas necessidades e ignoramos o contexto ao nosso redor. Você que está em quarentena, já viu isso em algum lugar?

A lógica do Poço

Não existe nada que você possa fazer para subir de nível nessa prisão. Se isso ocorrer, será única e exclusivamente por conta de uma distribuição aleatória realizada mensalmente. O dinheiro e o status social não possuem valor algum e também não é permitido acumular nenhum alimento na cela.

No poço, os prisioneiros são tratados como pessoas iguais. Em outras palavras, todos recebem o mesmo nível de desprezo por parte da administração da prisão. O único privilégio que eles possuem uns sobre os outros é o andar em que estão trancados, que muda aleatoriamente de tempos em tempos. Isso faz com que possamos observar o comportamento de diferentes personagens em situações extremas.

Assim que chega na prisão, o protagonista tem seus ideais humanitários contestados pelo seu primeiro companheiro de cela. Não demora muito para ele deixar de lado o discurso e adotar o comportamento que estava condenando dias antes. O protagonista oscila bastante entre os interesses do coletivo e do indivíduo. Mundo ideal versus realidade. É durante as dificuldades que  as utopias apodrecem.

Crítica Social

Vários filmes recentes trouxeram o mesmo tópico para o debate. Desde Coringa, até Bacurau, passando por Parasita. Coringa e Bacurau não foram tão bem sucedidos nessa abordagem quanto O Poço.

Em Coringa, vemos uma sociedade que reprime e ridiculariza aquele que é diferente, imperfeito. A trajetória de construção de um dos maiores vilões dos quadrinhos passa pela opressão social somada à uma condição mental de psicopatia. Coringa peca ao tornar essa relação como algo direto, quase que matemático. O longa é praticamente uma receita de bolo para se criar um vilão, que se inicia por uma representação saturada do que seria uma sociedade opressora.

O filme tem mérito no debate que propôs e isso levantou uma cortina de fumaça que esconde um desenvolvimento raso da história e do personagem. Não há muito espaço para subjetividade na evolução desse protagonista. Essa mesma cortina de fumaça proposta pelo tema existe em Bacurau.

A representação de uma vila onde as pessoas passam a se comportar de modo coordenado quando se deparam com uma ameaça externa é uma espécie de ufanismo socialista. Pelo fato da temática agradar muitas pessoas, já que o filme está claramente posicionado no espectro político da esquerda, os problemas de ritmo da narrativa e do desenvolvimento dos personagens não são totalmente observados.

O Poço é um filme melhor que Coringa e Bacurau por não possuir essa cortina de fumaça. O filme não escolhe um lado, não defende uma bandeira e não se posiciona contra e nem a favor de nenhum sistema político e econômico. O que ele faz é propor um debate ao levantar questões a partir da imperfeição do ser humano. É um filme que traz mais perguntas do que respostas.

Manter a discussão política polarizada é o que menos precisamos no momento. Não ter ido por esse caminho é, certamente, um dos maiores méritos de O Poço.

Leia também

Leia também

spot_img
Filme interessante e envolvente. Levanta uma discussão importante e leva à reflexão, sem dar nenhuma receita do que é certo e errado. O Poço