Fórum Brasil TV 2014 – O modelo brasileiro: virtudes e gargalos.

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Este foi um dos painéis mais importantes do evento, pois debateu uma questão central para a produção audiovisual brasileira ao confrontar as políticas públicas com as necessidades dos produtores e programadores nacionais. Compondo a mesa, estavam Rosana Alcântara, Diretora da Ancine, o advogado Gilberto Toscano, da CQS Advogados,  Cícero Aragon, Diretor dos canais BoxBrazil e Mauro Garcia, Presidente da Associação Brasileira de Produtores Independentes de TV (ABPITV).

O debate começou com uma longa fala da Rosana Alcântara apresentando os números do mercado e alguns resultados da Ancine para o setor. Em seguida, cada integrante da mesa apresentou brevemente seu ponto de vista sobre os assuntos.

Os resultados das políticas públicas para o modelo brasileiro de produção audiovisual. 

Rosana começou falando que há um conjunto de políticas focadas na produção independente. Os dois pilares de sustentação dessas políticas públicas para o audiovisual são as políticas de fomento e as políticas regulatórias. Desse modo, o governo pode estabelecer regras para o mercado através das políticas regulatórias, como fez com a Lei 12.485, e financiar o cumprimento dessas regras com as políticas de fomento.  Isso faz com que a oferta e a demanda do audiovisual se retroalimentem, reforçando a cadeia produtiva.

Para reforçar essa tese, Rosana trouxe alguns números do mercado entre 2012 e 2013. Nesse período, o número de licenciamento de obras brasileiras triplicou. Houve uma grande evolução no número de emissões de Certificado de Produto Brasileiro (CPB) para filmes, seriados e programas de TV. O número de emissões de Certificado de Registro de Título (CRT) para o mercado de Vídeo On Demand (VOD) também sofreu aumento expressivo.

As políticas da Ancine atingem somente as empresas, ou agentes econômicos, que estão cadastradas no sistema da agência. Houve um aumento de 15% no número de empresas registradas nesse sistema. Rosana reforçou o desempenho da Lei 12.485, dizendo que ela transformou uma demanda em potencial numa demanda real para a produção independente. O conteúdo brasileiro na TV paga quadruplicou entre 2012 e 2013.

Além disso, a produção cinematográfica também apresentou ótimo desempenho. Em 2013 foram 27,8 milhões de espectadores, resultando numa renda de R$ 1,7 bilhão. Isso corresponde a 18,6% de market share para o cinema nacional no mercado de salas de exibição.

O número de lançamentos bateu recorde histórico, atingindo a marca de 129 produções. Dessas, 10 conseguiram ultrapassar a marca de um milhão de espectadores. Outras 24 obras superaram a marca de 100 mil espectadores. Além da produção, as distribuidoras nacionais foram responsáveis por 86% do público dos títulos brasileiros.  Segundo Rosana, o ano de 2014 está dando sequência nesse movimento de alta do mercado.

Políticas Regulatórias.

Rosana apontou que a Ancine está programando uma revisão na IN 100/2012, que regula as atividades de programação e empacotamento de conteúdo enquadrado na Lei 12.485 para o mercado de TV por assinatura. Será feito um estudo sobre a precificação dos conteúdos nos negócios entre empacotadoras e programadoras, definindo os preços de licenciamento para os Canais Brasileiros de Espaço Qualificado (CaBEQs).

Política de financiamento.

Sobre as políticas de financiamento, Rosana reforçou que o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) marcou a retomada do investimento do Estado no setor audiovisual. Foram 339 projetos contemplados nas categorias de produção e distribuição. No ano de 2013, 60% dos filmes lançados no Brasil tiveram incentivos do FSA. Abaixo, alguns números das diversas linhas do fundo:

  • PRODAV 03 – Núcleos Criativos – 200 inscrições;
  • PRODAV 04 – Laboratórios – 72 inscrições;
  • PRODAV 05 – Desenvolvimento de Projetos – 407 inscrições;
  • PRODECINE 01 – 158 inscrições;
  • PRODECINE 05 – 198 inscrições.

Rosana reforçou que é preciso maturidade para apresentar projetos nas diferentes linhas da Ancine. É comum produtores apresentarem seus projetos em diversas linhas, mesmo que não tenham a ver com a linha do edital. Isso é uma reclamação frequente também por parte dos executivos dos canais de TV paga, o que aponta para uma prática comum dos produtores independentes. É preciso saber onde oferecer seu projeto, antes de sair atirando ele para todos os lados.

Autossustentabilidade é um caminho longo e feito com muitas mãos.

Uma das políticas aguardadas pelo setor é o suporte automático à produção, para acelerar a liberação de recursos. Rosana disse que os trabalhos nesse sentido estão avançados e novidades virão em breve. Serão R$ 40 milhões disponíveis para serem injetados nas empresas com base em seu desempenho comercial. Outra questão que está na pauta da agência é a IN de Direitos, que define a política de direitos de exploração econômica dos projetos audiovisuais realizados com dinheiro do estado.

Agenda da Ancine.

Rosana listou para o mercado quais são os principais assuntos que estão na pauta da Ancine para revisões e atualizações:

  • Revisão da IN 100/2012;
  • Revisão da IN de classificação de nível, que organiza as produtoras dentro da Ancine;
  • Revisão da estrutura tributária do CONDECINE;
  • Regulamentação de ações no campo da ordem econômica;
  • IN regulamentando celebração de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC.

Finalizando sua exposição, Rosana apontou algumas linhas do FSA previstas para 2014. Há o suporte automático, já mencionado acima, haverá também uma linha para a produção de conteúdo para emissoras do campo público que irá trabalhar com chamadas regionais para a produção independente. E finalmente, uma linha para o desenvolvimento profissional do setor, financiando a pesquisa acadêmica e a formação de profissionais.

A Ancine tem como objetivo transformar o Brasil num forte produtor e programador de conteúdo audiovisual. É meta da agência colocar o país entre os cinco principais mercados mundiais em produção e consumo de TV, cinema e novas mídias. Você pode baixar o Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual neste link, do site da Ancine.

Os outros pontos de vista.

Mauro Garcia, Presidente da ABPITV, que atualmente conta com 440 produtoras associadas, chamou a atenção para o fato de que somente o FSA não basta para fomentar a produção audiovisual no país.  Ele reconheceu a importância do fundo, mas reforçou que é importante procurar alternativas de financiamento nesse setor. Uma das soluções pode ser a realização de parcerias com fundos privados. O painel de fomento aprofundou mais essa questão.

Representando a programação independente, Cícero Aragon, da Box Brazil, ressaltou a importância de um mercado autossustentável. A BoxBrasil possui atualmente quatro canais na TV paga, sendo que nesse mercado de programação independentes existem apenas 11 canais. Juntos eles atingem cerca de 50 milhões de assinantes.

Cícero comemorou o sucesso da Lei 12.485, dizendo que graças à ela 100% do mercado de TV paga é atingido por canais independentes.  Apesar disso, ele ainda não acredita que o mercado é sustentável. Na opinião dele, falta um modelo econômico que permita isso. Hoje em dia, tanto a produção quanto a programação independente ainda não são capazes de andarem com as próprias pernas.

Gilberto Toscano
Gilberto Toscano – CQS Advogados

Completando a fala de Cícero, Gilberto Toscano, da CQS Advogados, explicou que a autossustentabilidade é uma ambição até mesmo de mercados que possuem políticas de fomento há mais tempo do que o Brasil. Como exemplos, ele citou França e Reino Unido. Gilberto disse também que existem alguns gargalos que travam a autossustentabilidade do setor. A demora no repasse dos recursos pelo FSA é vista como um dos principais gargalos. Isso desestimula a livre concorrência.

Outro ponto citado por Gilberto foi a respeito do regulamento do FSA, que trata do mesmo modo uma obra que recebe 20% de investimento do fundo e uma que recebeu 85%. É preciso haver uma gradação na participação do fundo, para que se viabilize o investimento privado.

Respostas da Ancine.

Fundo Setorial Audiovisual

Autossustentabilidade do setor audiovisual.

Rosana começou a responder as observações dos colegas pela questão da autossustentabilidade do setor. Em primeiro lugar, ela destacou que também considera isso um ponto muito importante dentro da política para o setor, mas fez uma ressalva: “Produção Audiovisual no mundo todo é desenvolvida com recursos do Estado. Isso é característica do segmento”. Ela ainda ressaltou que esse é um setor que precisa ser profissionalizado, e completou: “Autossustentabilidade é um caminho longo e feito com muitas mãos.”

Morosidade no repasse de recursos.

Por ser uma agência ligada ao estado, a burocracia na Ancine se faz necessária e é inevitável.“(A burocracia) É da natureza dos Estados”. Portanto qualquer relação com o estado requer burocracia para que todos os contratos sejam analisados. É preciso ter certeza de que os recursos estão sendo destinados à produção independente, com o objetivo de construir e desenvolver esse mercado.

Nesse sentido, a burocracia é a ferramenta que a Ancine precisa para acompanhar o desenvolvimento de suas ações no setor. Rosana enfatizou que reduzir os prazos é um objetivo deles, que está sendo perseguido por meio da informatização dos sistemas. Além disso, a agência passa por uma reorganização interna de seus fluxos de trabalho.

A remuneração para o FSA, na primeira licença.

O percentual de 15% deve retornar para o FSA após a obra incentivada ser licenciada pela primeira vez. Segundo Rosana, o FSA perde quando o projeto vai mal. Em contrapartida, o FSA ganha quando o projeto bomba. E são esses grandes projetos que ajudam a alavancar os projetos menores, quando retornam seu percentual devido para o Fundo. “O retorno do fundo é uma questão fundamental para o fomento”, pois o FSA possui uma natureza de parceria entre o recurso público e o privado.

Encerrando o painel, Mauro, da ABPITV, apontou que é preciso ir além da primeira licença. Rosana concordou, mas disse que esse ainda não é o momento do FSA. Por isso, Mauro ressaltou a importância de se procurar parcerias com fundos privados, que sirvam de modo complementar ao FSA e completou: “Ainda estamos na fase de indução do mercado”.

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