Jornada do Herói – fórmula ou ferramenta?

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Se você tem um mínimo de interesse por escrita e pelo desenvolvimento de narrativas, possivelmente já deve ter esbarrado com a expressão Jornada do Herói em algum momento durante suas pesquisas.

É muito comum aspirantes a escritores ou roteiristas verem esse tipo de estrutura como uma fórmula, uma receita de bolo, algo a ser seguido em nome do sucesso. Porém, as coisas não funcionam bem assim. Antes de darmos sequência na nossa série de posts sobre escrita e roteiro, vale conhecer um pouco mais sobre quem publicou esse estudo.

Jornada do Herói: Joseph Campbell

Joseph Campbell foi um professor de literatura americano que viveu entre 1904 e 1987. Ele atuou ainda como pesquisador independente nas áreas de religião e mitologia. O interesse por esses campos do conhecimento se deu ainda na infância, quando Joseph teve contato com a história dos índios americanos. Ele ficou fascinado pelo assunto e passou a pesquisar povos, religiões e mitos do mundo todo.

Apesar de Joseph ter publicado o livro O Herói de Mil Faces, onde ele detalha toda a estrutura conhecida como Jornada do Herói, não podemos dizer que ele é o seu criador. Campbell teve um papel fundamental na identificação dessa estrutura narrativa ao estudar a mitologia de povos antigos de todo o mundo.

O Monomito

A Jornada do Herói é uma criação coletiva da humanidade iniciada ainda nos tempos em que nos reuníamos para contar histórias ao redor da fogueira. Essa estrutura está presente nos mitos de diversos povos diferentes que tiveram pouco ou nenhum contato entre si, seja por causa da distância geográfica ou por conta de uma distância temporal. Elementos da jornada estão tão presentes nos mitos de povos que viveram milhares de anos antes de cristo, quanto nos mais recentes.

A relativa onipresença dessa estrutura narrativa nas mitologias fez com que algumas pessoas a apelidassem de monomito. Como se os povos estivessem contando sempre a mesma história ao longo de milhares e milhares de anos. Contudo, isso passa uma ideia equivocada sobre a jornada.

Fórmula ou Ferramenta?

Para desmistificar esse assunto e evitar que os jovens escritores caiam numa espécie de armadilha criativa é preciso entender antes de tudo que uma estrutura narrativa não é a história. Sua história é uma coisa e a estrutura narrativa dela é outra coisa.

A função da estrutura é dar uma base sólida para o desenvolvimento da sua história, sem que ela se torne cansativa, prolixa, desconexa, incoerente e longa demais em temas que não necessitam de aprofundamento. Uma estrutura ajuda a dar ritmo e a organizar os fatos narrados.

Contar histórias é uma maneira de transmitir conhecimento por meio do entretenimento. Para manter o público atento à história é preciso utilizar uma estrutura que te ajude a organizar bem a sequência de acontecimentos da trama. Nesse sentido, é muito importante o escritor ou roteirista conhecer vários tipos de estrutura para que seja possível utilizar as melhores ferramentas durante o desenvolvimento da história. A jornada é apenas uma delas.

Portanto, a Jornada do Herói precisa ser vista como uma ferramenta que pode ser adaptada e utilizada para criar os mais variados tipos de histórias. Quantas coisas não é possível fazer com um martelo e um serrote? O marceneiro consegue criar vários tipos de móveis distintos com essas mesmas ferramentas. Saber como usá-las é fundamental.

Se você está no início de sua jornada como um escritor ou roteirista, não caia no conto da estrutura milagrosa, das fórmulas de roteiro, do aprendizado relâmpago. Não existem atalhos para o desenvolvimento de um bom escritor. Estude, complete suas etapas uma de cada vez, pratique sua escrita e publique seus textos para ver a reação do público.

Isso vai te ajudar a entender a eficiência da sua habilidade em contar histórias. Com o tempo você ganha experiência e pode desenvolver histórias cada vez melhores.

A estrutura da Jornada do Herói

A estrutura identificada por Campbell tem ao todo 12 etapas. A terminologia que vou utilizar aqui é a retirada do livro “A Jornada do Escritor”, de Christopher Vogler. Leitura obrigatória para quem quer se aprofundar no tema.

1.Mundo Comum:
Introdução ao universo da história e apresentação do personagem principal no ambiente onde vive.

2.O Chamado da Aventura:
Introdução do conflito principal que irá guiar as motivações do herói ao longo da jornada.

3.Recusa do Chamado:
Ao perceber que o chamado da aventura vai lhe colocar num mundo desconhecido, o herói recusa o chamado para continuar sua vida no mundo comum.

4.Encontro com o mentor: 
O Mentor é um arquétipo de personagem fundamental nessa estrutura, pois ele que motiva de algum modo o herói a embarcar na jornada.

5.Cruzamento do 1º portal: 
Após se convencer de que é preciso ir para a jornada, o herói finalmente sai da sua zona de conforto e abandona o mundo comum.

6.Provações, aliados e inimigos:
Ao longo da jornada o Herói vai se deparar com situações de grande conflito. Nelas ele irá conhecer seus aliados, além de identificar os seus inimigos.

7.Aproximação:
Quando o herói finalmente está nas portas do castelo do inimigo. A aproximação é um momento que antecede a batalha final e que vai ser fundamental para que o herói consiga decifrar seu maior adversário.

8.Provação Final: 
A batalha final é o encontro onde o herói e seu principal antagonista medem forças.

9.Recompensa (o elixir):
Ao derrotar seu adversário, o herói pode finalmente pegar aquilo que foi buscar. O elixir !

10.O caminho de volta:
A jornada só acaba quando o herói consegue voltar para o seu mundo comum. No caminho de volta é a fase onde as forças do inimigo provocadas pela batalha final tentarão uma última investida contra o herói.

11.Ressureição do Herói:
É um momento de quase morte, ou de morte metafórica. Nele o herói passa por uma situação que nos leva a crer que ele morreu. Ao sobreviver à mais essa provação, o herói já não é mais o mesmo. O aprendizado da jornada muda o herói, o que é simbolizado pela metáfora da ressureição

12.Regresso com o Elixir: 
O final da jornada é quando o herói consegue voltar ao mundo comum com o elixir, modificando o mundo comum. O elixir e a mudança que o herói sofre durante a jornada trazem novas perspectivas para o mundo comum, transformando-o em algo novo também.

Essas são as etapas da Jornada do Herói. Como falei antes, é possível ver essa estrutura como uma ferramenta que pode ser adaptada. Em outras palavras, isso quer dizer que sua história não precisa ter necessariamente as 12 etapas. Você pode apoiar o seu desenvolvimento da narrativa em 5, 6, 7 ou quantas achar necessário.

Em breve publicarei artigos identificando a Jornada do Herói em filmes famosos. Assina nossa newsletter para não perder nenhum artigo.

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