RCM 2016: Howard Gordon – Hitmaker

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Que produtor brasileiro não gostaria de ser considerado um Hitmaker? Emplacar produções de sucesso, que ficam anos no ar e viajam o mundo é o sonho de muitas emissoras e produtoras independentes. O Rio Content Market trouxe o showrunner, Howard Gordon para falar desse assunto e compartilhar suas experiências.

Quem é Howard Gordon?

Howard Gordon é um roteirista e produtor que já trabalhou em algumas séries que você com certeza já conhece: Arquivo X, Buffy a Caça Vampiros, Homeland e 24 horas. Todas séries com várias temporadas. Homeland está na sexta,  24 Horas teve nove, sem contar a adaptação produzida na Índia, Buffy e arquivo X também tiveram várias. Se quiser saber mais sobre a carreira dele, dá um pulo no IMDB.

Entrevista com Howard Gordon.

O jornalista Maurício Stycer, crítico de televisão do jornal Folha de São Paulo, foi escalado para entrevistar Howard. A primeira pergunta foi sobre como é ser um Hitmaker. De cara, Howard respondeu que não gosta do termo. Em seguida ele deu a visão dele sobre o atual momento da TV no mercado internacional.

Para Howard, a TV está em sua Era de Ouro. Várias séries surgem em diversos formatos. Os contadores de histórias de hoje possuem menos limitações ou restrições do que tinham no passado. Hoje em dia é possível escrever histórias com 20 episódios ou 8 episódios. Portanto, não é mais o formato que dita o conteúdo.

Howard comentou que em 2004 existia alguma dificuldade para vender séries. E as que eram vendidas precisavam encerrar as histórias em cada episódio, sem deixar gancho para o próximo. Atualmente os roteiristas e produtores trabalham com modelos que não eram imaginados há dez anos atrás.

Arco Longo do 24 horas.

Howard deu o exemplo do 24 Horas, que foi um modelo de narrativa bastante inovador na época. Durante a produção da primeira temporada não havia a certeza de que o formato se sustentaria por mais tempo, gerando novas histórias e mais interesse no público. Depois da primeira temporada houveram mais oito, provando que o modelo funcionou muito bem.

Stycer questionou se os atentados de 11 de Setembro nos EUA beneficiaram a série. Essa pergunta é motivada pelo fato de que o lançamento de 24 Horas ocorreu em Novembro de 2001 e de que a série aborda o assunto do terrorismo. Howard respondeu que não usaria a palavra benefício para definir o que ocorreu com a série.

Ele explicou que a 24 Horas é um triller contra terrorista com um personagem original. Jack Bauer é um herói clássico americano, repleto de coragem e patriotismo. O lançamento da série foi adiado e isso também favoreceu o projeto, já que os concorrentes estavam colocando no ar programas ‘blue sky’, com menos violência e sem falar de terrorismo. Jack Bauer representou a luta contra o medo que tomou conta dos EUA após os atentados de 11 de Setembro. Esse conceito forte deu um belo suporte para o sucesso de 24 Horas.

Adaptações e interferências no projeto.

Stycer perguntou sobre as interferências que ocorrem durante a criação e produção da série. Se isso era um empecilho muito grande para o projeto. Gordon explicou que para colocar qualquer série no ar é preciso sorte. Trata-se de um desafio pessoal para o showrunner do projeto, afinal são muitas variáveis que podem dar errado. Havia uma cena de explosão de avião no primeiro episódio, que foi retirada antes de ir ao ar por motivos óbvios. Era algo ofensivo demais para o contexto social da época.

Na primeira temporada de uma série, todos os envolvidos possuem uma ideia de como será o produto final, mas isso está longe de ser uma certeza. É preciso administrar a ansiedade e o medo dos produtores e executivos envolvidos. Existe um caminho a ser percorrido para que o formato se estabeleça e problemas fazem parte desse caminho.

Howard comentou que Jack Bauer nos fazia sentir melhor sobre nossos medos. Após o lançamento da série, os EUA invadiram o Iraque, Afeganistão e houve os casos de tortura em Guantánamo. Jack Bauer torturou vilões islâmicos e de certo modo contribuiu para o aumento da Islamofobia. Isso foi um movimento mundial, mas 24 Horas se tornou referência, ou uma espécie de espelho, sobre as experiências que o país vivia na época. Howard acha esse poder de influência algo assustador, mas ao mesmo tempo positivo.  Eles conseguiram agradar a esquerda e a direita americanas com o conteúdo do seriado.

Homeland é uma resposta às críticas que 24 Horas recebeu?

Gordon respondeu essa pergunta de Stycer dizendo que não era uma resposta direta, pelo menos não de modo consciente. Ele passou nove anos num show contra terrorista e depois pensou muito sobre se queria se colocar nisso novamente.

Ele percebeu que haviam questões que nunca haviam sido feitas antes em termos de polícia, política e pessoas. O que é que precisamos temer? Qual o preço que devemos pagar por segurança? Isso foi o que despertou o interesse em desenvolver Homeland, que se tornou uma continuação das mesmas questões que foram abordadas em 24 Horas, porém, sob outra ótica.

Trabalho na sala de roteiristas de Homeland.

Maurício Stycer perguntou por quê o personagem homem-bomba desiste de se explodir no final da primeira temporada de Homeland ? Gordon contou que houve muito debate e divergência sobre esse tópico na sala de roteiristas. A questão principal era:

Você é um terrorista se fizer tal coisa, mas se você não fizer e apenas tiver a intenção de fazer, ainda assim é terrorista?

O personagem se reconecta com aquilo que ele deixou para trás, pensa na filha e decide não se explodir. Ele se tornou a ideia do soldado que volta pra casa carregando o traumas de sua jornada.

Como funciona um Writers Room?

A sala de roteiristas é uma reunião de cinco a oito roteiristas. É uma sala com sofás, muitos index-cards, marcadores, lousas. O show runner é quem guia o trabalho. Falamos sobre notícias, esportes e outros assuntos. À margem dessas conversas falamos da história. Tratamos ela perifericamente e o showrunner nos coloca na linha.

A maneira de fazer uma história parecer real são os detalhes, a realidade vem dos detalhes. Para ser convincente é preciso muitas conversas e debates com os roteiristas. O Showrunner precisa tirar o senso comum da história e dos assuntos que foram falados na sala dos roteiristas. Contar uma boa história é um desafio e requer sensibilidade. É uma grande experiência pois alguns roteiristas são muito talentosos. Um bom showrunner sabe reconhecer as fraquezas e potenciais das pessoas.

Formato do 24 Horas é adaptado na Índia.

O conceito de tempo real é uma narrativa poderosa. Jack Bauer também é um elemento forte na série, mas na adaptação o sucesso pode estar em criar um herói diferente dele. É preciso se reinventar, deixando o show original para 2016 sem precisar recriar a roda.

O ator Anil Kapoor, o apresentador do show em ‘Quem quer ser um milionário?’, procurou Gordon dizendo que queria fazer o show na India. Levou dois anos para conseguir os direitos e o financiamento para fazer. Ele vai ser o Jack Bauer. Gordon leu os roteiros e viu o casting. Eles reinventaram as tramas e conflitos para aquele país, fazendo coisas melhores e coisas diferentes. Apesar disso, os roteiros são bem parecidos com o original.

Produtor ou Roteirista? Eis a questão.

O Showrunner é uma figura que possui muita experiência com roteiro, e também tem que possuir experiências como produtor. Gordon foi muito enfático ao responder sobre qual função ele prefere.

Odeio escrever, mas adoro ver escrito. Escrever é um sofrimento, a página em branco é algo aterrorizante.

Ele afirmou que adora trabalhar com roteiristas, atores, diretores. Produzir é legal e ele gosta de ver as pessoas assistindo ao programa. Gordon comentou que nos EUA a TV é um céu para os roteiristas. O Showrunner é sempre um roteirista.

A TV é a mídia dos roteiristas enquanto o cinema é a mídia do Diretor.

O que você tem a dizer para quem sonha em ser roteirista?

Escrever é o mais importante. Além disso, Howard ressaltou que o roteirista tem que ser aberto e fechado ao mesmo tempo. É uma grande qualidade conseguir ser forte e fraco. O trabalho envolve uma combinação dessas duas coisas. Alguns roteiristas não sabem lidar com críticas. É importante ter amor próprio, auto-estima, mas é preciso ter auto-crítica também e saber ouvir. Em seguida, Stycer perguntou sobre o que é preciso ter para se tornar um bom produtor executivo.

É como ser um primeiro ministro em vez de um ditador.

Howard disse que é preciso ter a visão correta para o show, fazer as perguntas certas. Quem consegue achar as perguntas certas terá as pessoas para ajudar a respondê-las. Também é preciso respeitar as pessoas que você contrata, deixar elas trabalharem. Contratar os profissionais certos não significa contratar os melhores profissionais. E finalmente, ter a responsabilidade de contar a história certa.

Second Chance

Stycer perguntou sobre o novo show que Howard está produzindo, chamado Secon Chance. Ele disse que o show está longe de ser um hit como os outros. Sua criação é fruto de uma conversa sobre como é ser um homem de meia idade, olhar pra trás na sua vida e pensar como seria ter feito tudo diferente. O protagonista é um sujeito estúpido, até que recebe a chance de corrigir alguns erros do passado. A questão é que ele não tem muita vontade de fazer isso.

Como o VoD afeta o mercado dos canais lineares?

Gordon demonstrou uma postura mais conservadora nesse assunto. Ele explicou que hoje em dia assiste TV de um modo diferente de como via no passado. Porém, ele gosta de esperar a próxima semana para ver um episódio. A expectativa criada é interessante e isso sustenta as conversas que são desenvolvidas pelo  público.  Gordon acredita ser loucura cada pessoa numa casa ver um show diferente. Na opinião dele é um comportamento compulsivo, não soa como uma coisa boa.

Stycer mencionou o fato de alguns autores defendem a tese de que o hábito de ver séries “à rodo” cria uma nova forma de narrativa. São histórias de 10 horas de duração. Gordon disse que são assuntos diferentes. Em termos de escrita e narrativa isso é ótimo. É possível desenvolver uma história mais imersiva e profunda. Agora, como o show é consumido é uma questão totalmente diferente. Parte da graça do hit é que todos sentem a história, falam sobre ela, sobre o que vai acontecer. O consumo compulsivo mata essa conversa.

O VoD ameaça o negócio da TV?

Gordon acredita que não. Na opinião dele o VoD apenas modifica, pois trata-se de um modelo de negócios que não conseguiu convencê-lo. A queda da audiência é visível, está preocupando a todos. As pessoas não sabem até onde vai essa queda. Gordon não gosta dessa situação.

Como saber o momento de parar uma série?

Alguns projetos, como o 24 Horas, tiveram muitas temporadas. Gordon disse que todos sabem como começar uma série, mas o momento de parar é uma grande questão. No caso de 24 Horas é preciso honrar a história e terminar onde ela deve terminar. Quando não há mais história pra contar, não há mais nada para gerar conversas.

Há alguma técnica pra vender projetos?

Essa última pergunta do Stycer é muito importante. Howard disse que a melhor técnica é quando você conhece a história profundamente, sabe o motivo que te levou a criar a história e sabe também quem gostaria de vê-la. Isso é algo que ajuda muito a vender seu show.

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