RCM 2016 – Produções Originais Internacionais – NETFLIX

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A dinâmica do mercado audiovisual no Brasil e no mundo está mudando bastante nos últimos anos. Um dos motivos é o aumento da importância dos serviços de VoD. Eles tiraram as emissoras e grandes estúdios da zona de conforto, diminuindo seus índices de audiência ano a ano. Para se ter uma ideia, atualmente existem mais de 200 empresas de VoD operando nos EUA. E as gigantes, como Amazon Prime Video e NETFLIX, possuem capital para investir pesado em produções originais.

A exclusividade de conteúdos dentro da plataforma é um grande diferencial para expandir a base de assinantes. E se antes a NETFLIX fazia esse investimento pesado no mercado americano, agora a estratégia é global. E o motivo é simples de entender.

Porque a NETFLIX gosta tanto de produções originais?

Uma das primeiras grandes dificuldades que a NETFLIX precisou superar quando migrou seu modelo de negócios para VoD, foi o licenciamento de conteúdos para a plataforma. Os grandes estúdios viam a empresa como concorrência, e não licenciavam os seus principais títulos para serem assistidos através da plataforma. A ideia dos estúdios era proteger o conteúdo para que ele continuasse com bons rendimentos na exibição em TV paga e, em seguida, na janela de Home Video.

De certo modo, essa estratégia deu certo por algum tempo. Era comum ouvir a crítica de que a NETFLIX só tinha filme velho. Isso foi uma grande dor de cabeça para a empresa, uma vez que ela precisa renovar seu catálogo continuamente para atrair mais assinantes. Como conseguir mais assinantes nesse cenário? Produzindo seu próprio conteúdo. Ao investir em produções originais de qualidade, a NETFLIX acertou em cheio e deu a volta por cima nesse problema. A cada ano, mais e mais títulos novos pintam no catálogo da empresa.

Neste painel apresentado pelo VP de conteúdo internacional da NETFLIX, Erik Barmack, com mediação de Thiago Melo, da Boutique Filmes, poderemos perceber que a estratégia de produções originais deu certo e agora ela se tornou global.

Novos hábitos de consumo de vídeo.

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Barmack começou dizendo que, para a NETFLIX, a internet está mudando a maneira como o conteúdo é visto e produzido. A possibilidade de assistir a diversos episódios de uma série, todos na sequência, é um novo hábito que só existe devido a internet. Outra coisa que a grande rede mudou no mercado, é a facilidade de se distribuir o conteúdo internacionalmente com um custo bastante baixo.

A distribuição global está mudando a conversação sobre as séries.

Distribuir o conteúdo globalmente e simultaneamente, muda a conversação sobre as séries. O impacto de audiência ocorre em diversos países, ao mesmo tempo, movimentando diversas redes ao redor do mesmo assunto. Barmack disse que eles levam esse fato em conta para programar o negócio deles. Portanto, a presença de conteúdos internacionais na plataforma é mais do que necessária para a NETFLIX.

Recentemente, publiquei um artigo aqui no blog falando sobre como a NETFLIX utiliza BigData para montar suas estratégias. Vale dar uma lida lá. E também há o resumo do KeyNote do Chris Brancato no Telas Fórum de 2015, falando da série Narcos, que é um case excelente para explicar porque as produções internacionais funcionam.

De olho do mercado global.

Barmack está de olho no mercado global. Há cinco anos atrás, a NETFLIX não tinha produções internacionais originais em seu catálogo. E há uma demanda a ser suprida nessa área, já que a empresa se tornou muito forte também fora das fronteiras americanas.

Atualmente essa gigante do VoD está presente em 190 países e possuem mais de 75 milhões de assinantes. A maior parte dessa base de assinantes está fora dos EUA. A NETFLIX deixou de ser uma companhia americana para se tornar uma empresa internacional. Portanto, conteúdo local é importante para a estratégia global.

Hein??? Complicado? A gente explica…

Local versus Global

Um dos fatores de sucesso de uma obra artística é sua originalidade. Seja livro, filme, série, escultura, pintura, música e etc. A originalidade sempre salta aos olhos e conquista audiências. No passado recente, era muito importante que os produtos audiovisuais tivessem relevância para o mercado global. O problema é que produtos criados para atender audiências tão heterogêneas se tornavam pasteurizados, e quase nunca representavam a diversidade de culturas e lugares.

Em contrapartida, o conteúdo local pode representar de modo mais original uma realidade específica. E essa representação original desperta o interesse de outros públicos que não conhecem aquele local, aquela realidade. Portanto, produzir conteúdo original com foco em assuntos locais e distribuí-los internacionalmente é uma estratégia de sucesso. O sucesso da NETFLIX está em compartilhar globalmente histórias locais, pois isso tem impacto na audiência e ajuda a fidelizar os assinantes.

Contadores de histórias ao redor do mundo.

Por isso, Erik Barmac procura bons contadores de histórias ao redor do mundo. Seguindo essa fórmula de privilegiar o local, eles procuram programas que não sejam necessariamente falados em inglês. Há projetos de produções originais caminhando em sete países. Todas essas histórias estão sendo produzidas fora do sistema de produção americano. Os shows são diferente porque eles são produzidos de formas diferentes e com talentos locais. Tudo isso para fugir da pasteurização que falamos acima.

Cases internacionais NETFLIX

Erik apresentou o trailler de uma produção que está sendo realizada no México. Club de Cuervos conta a história de um clube de futebol que, após a morte do cartola, encontra-se no meio de uma disputa pelo poder. Barmack disse que esse produto foi distribuído em 20 línguas diferentes e eles encontraram audiência para o show em todo o mundo.

 

O segundo exemplo foi Marseille, uma produção francesa que será lançada em Maio. Há também Ingobernable, um thriller mexicano falado em espanhol.  Ele também mencionou o 3%, ficção científica brasileira, falada em português, produzida pela Boutique Filmes e dirigida pelo Thiago Melo que estava mediando o painel. As gravações dessa série haviam se iniciado um dia antes do painel.

 

Outras produções listadas pelo Barmack são, Suburra, um drama criminal italiano feito pela mesma produtora do aclamado Gomorrah, com estreia prevista para 2017. Há também a série Dark, um Thriller alemão.

Finalmente, Barmack deu alguns elementos importantes para chamar a anteção da NETFLIX para suas produções. Um ótimo time visual, produtores e diretores bons com projetos que rendam várias temporadas, que tenham ótimos roteiros e atores de renome. O foco deles é em times de produção que reúnam diversos talentos.

Entrevista com Erik Barmack, NETFLIX

Thiago Melo iniciou a entrevista com Eric Barmack perguntando sobre a questão do BigData.

Como isso influencia as decisões de produção?
Eric respondeu que esse consenso, de que eles só tomam decisões baseadas em análises de dados, não é totalmente verdade. O que eles fazem é utilizar o BigData para apoiar e direcionar as decisões que eles irão tomar.

Por exemplo, haviam indicativos de que os usuários gostam de Sci-Fi no Brasil, e isso deu suporte para a decisão de investir no 3%. Eles nunca usam dados para tomar decisões artísticas. Os dados servem apenas para dar suporte à essas decisões.

Como é o balanço entre o catálogo já comprado e produzido e as produções originais?

Eric respondeu que uma estratégia não prevalece sobre a outra. Elas trabalham em conjunto. NETFLIX tem milhares de licenças e não há planos de parar isso. O conteúdo original na plataforma surgiu pra competir com shows prime da TV a cabo. A produção original nasceu na NETFLIX pra atender essa demanda por conteúdo de alto padrão.

No momento, mais de 20 séries infantis estão em fase de produção. O investimento em filmes e séries é alto, mas o sucesso da NETFLIX vem das duas coisas. Licenças de conteúdo já produzido e produção de conteúdo original.

Documentários e séries de não ficção estão nos planos?

Sim. Making a Murderer é uma historia real sobre uma pessoa que foi convencida a assumir um crime e isso se tornou um show global. Abriu portas para séries de não ficção sobre crimes. O plano aqui é gastar com conteúdo que o público quer ver e estão havendo conversas sobre conteúdos non-scripted.

Eric também disse que eles preferem trabalhar com produtores sofisticados, que tenham gosto internacional. Em seguida, ele falou que o desafio das produções brasileiras está na escrita. É preciso encontrar sempre a melhor maneira de escrever aquela história e nunca desistir de melhorar. Por exemplo, em 3% eles estão na 11ª versão do roteiro. E sempre a cada versão sai algo melhor.

Como a série completa, disponibilizada de uma vez, impacta na audiencia?

Trata-se de uma grande oportunidade, que abre novos horizontes para os roteiristas trabalharem. Hoje em dia as pessoas estão assistindo às séries como filme de oito horas. Há mais tempo para trabalhar a construção das tramas e dos personagens. Por exemplo, em House Of Cards, no quarto episódio da primeira temporada, Frank vai para sua cidade natal e o conflito central da série fica de lado naquele episódio.

Esse tipo de narrativa só é possível porque eles sabem que os episódios serão consumidos em sequência, o que permite grandes digressões que na TV ou no cinema seriam impossíveis.

Como a NETFLIX lida com o marketing e divulgação de atores famosos para o Brasil?

O elenco faz parte do produto ele se torna parte do sucesso, da conversação global já que a série é lançada simultaneamente em vários lugares. Faz todo o sentido os atores participarem ativamente desse trabalho de divulgação. Para o público é importante ver os atores. Eles querem fazer parte das coisas que estão acontecendo nos países onde são exibidos.

Pode falar sobre social media? Como esse trabalho é feito globalmente?

Basicamente é o time de social media que pensa sobre o negócio como um todo. A NETFLIX não quer ser apenas um broadcaster, mas sim uma Media Company que trava conversas com a audiência. Quando lançar 3% vamos querer ver a conversação com o público no Twitter, Instragram, etc.

Ao final, foi dada a possibilidade da plateia fazer perguntas. E a primeira que apareceu foi:

Como enviar projetos para a NETFLIX?

Há uma pessoa do time de conteúdo que olha todos os projetos e conversam com os produtores. Eles também podem receber por e-mail.

Pensando globalmente, rodar em inglês é melhor pra vcs?

Reforçando o que já havia falado anteriormente, Eric disse que roda em inglês pode parecer uma ideia boa no início, mas o resultado é um show que não parece ser parte de nenhuma cultura em especifico. A resposta para isso está no seu projeto. Qual é a alma da história que vai ser contada? Assumimos a ideia de que a audiência vai gostar de um show que pareça autêntico. Se uma série falada em inglês for autêntico para seu projeto, então faz sentido. Caso contrário…

É possível aos produtores terem acesso aos dados de consumo, o BigData?

Não. E isso tem um motivo bastante claro. Eles não querem conectar a criação num negócio que é sistemático. Eles investem em shows de diferentes gêneros e grupos, oferecendo uma grande variedade de conteúdos.

Aqui eu gostaria de completar a resposta que o Eric não deu. O BigData gera um volume de informação que tem um alto valor para a empresa, pois isso é o que vai direcionar as estratégias de negócio. Então faz sentido o BgData não ser aberto a ninguém fora da empresa. É a mesma coisa que pedir pra Coca Cola publicar sua fórmula secreta.

Como é o investimento da NETLIX comparando filmes versus series?

Investimos em filmes também. Planejamos continuar com isso. Mas o foco agora é em séries originais, pois isso faz mais sentido para a nossa estratégia de programação. Nos próximos anos, o foco continuará em séries.

Como são feitos os licenciamentos de conteúdos já produzidos?

O interesse maior é um produtos que permitam o licenciamento global. Isso ajuda a não ter problemas com as barreiras de licenciamento internacionais, que ainda estão sendo discutidas na União Europeia.

Qual a porcentagem de americanos que assiste a um show que não é falado em inglês?

Isso depende do show. Há milhões que adoram filmes europeus e isso nos dá confiança para produzir Marceille, por exemplo. Vai ser interessante ver de onde a audiência virá para ver 3%, SciFi Brasileiro. Essa série vai rodar para 75 milhões de assinantes em 20 países. Enfim, muita gente vai ver, mas ainda é cedo falar quanto.

Há interesse em esportes, cooking e nature shows?
São categorias bem diferentes. Direitos esportivos não há interesse. Não temos foco em programação ao vivo. Não focamos em nada que tenha curto prazo de vida.

A historia é o guia principal. O que vocês não estão procurando?

Vemos shows constantemente ao redor do mundo. Um dos primeiros que gerou debate foi Carlos, uma série dark bastante complexa. Quatro anos depois o autor nos propôs Marseille, uma história política de um pai que luta contra o filho adotivo.

No caso de 3%, o que chamou a atenção foi a historia sobre classe. Não estamos fazendo apenas SciFi, mas sim algo que comente a sociedade brasileira. Procuramos por coisas que sejam únicas.

Acha que há mercado de nicho para serie de animação? Na TV brasileira não há espaço pra isso. O que a NETFLIX pensa sobre transmídia , games, e multiplataforma?

Primeira pergunta. Concordo que há um mercado para animação adulta, em duas maneiras diferentes. Ha oportunidade única pra distribuir animes por exemplo. Em geral o que acontece é que a distribuição global e fácil ajuda o conteúdo de nicho. Concordo com seu ponto.

Sobre transmídia, não tenho uma opinião, exceto que minha percepção é que trata-se de algo meio complicado de se fazer pitch e de se estruturar a historia em si. Corvos há um elemento de transmídia, com atores com perfis no Twitter.

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