Tom Zé, biografia

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É muito triste constatar que diversas pessoas não conseguem ganhar a vida com aquilo que realmente gostam de fazer. E para quem precisa viver de arte no Brasil essa luta é ainda maior. Talvez pela falta de incentivo à cultura, pelos baixos níveis de educação na maior parte do país ou então pelo genocídio cultural que a mídia pratica invariavelmente, as grandes massas não possuem bagagem suficiente para poder interpretar e projetar significados nas obras de arte. Enquanto algumas pessoas não tem a oportunidade de aprender, outras simplesmente não se interessam. Sendo assim, o produto mais nobre que um ser humano pode fabricar acaba por não ter todo o valor que deveria, não ganha destaque e não é apreciado (me recuso a usar o termo ‘consumido’). Viver de arte é uma luta muito dura que Tom Zé só conseguiu vencer definitivamente com a ajuda de um gringo.

Biografia do Tom Zé

Baiano da cidade de Irará, Tom Zé teve o primeiro contato com a música enquanto trabalhava no balcão da loja de seu pai. O sistema de som da cidade tocava os grandes sucessos de Luiz Gonzaga e Adoniram Barbosa e estas foram as primeiras influências musicais de um artista que não possui par no seu ramo. Durante o ginásio ele já compunha as primeiras canções e mais tarde cursou música na Universidade Federal da Bahia.

A partir daí, Tom Zé acumulou uma extensa bagagem musical, frequentando cursos extracurriculares de harmonia, contraponto, estruturação, composição, piano, violão, violoncelo e história da música. Essas referências formam a caixa de ferramentas que o compositor baiano usa para dar asas à imaginação, e Tom Zé se recusa a planar! No final dos anos 60, ele trabalhava como professor de música, era membro fundador do Grupo de Compositores da Bahia, especializado em música erudita, e já fazia seus experimentos com instrumentos inusitados.

Em pouco tempo, Tom Zé se muda para o sudeste e participa de algumas edições dos Grandes Festivais de música da televisão, conquistando um título em 1968 com a canção “São São Paulo”. Nessa época começava a se desenvolver um movimento artístico que buscava ressaltar os contrastes da cultura brasileira. Liderado pelo compositor baiano Caetano Veloso, o Tropicalismo encontrou em Tom Zé uma figura excêntrica e que transpirava criatividade. A contribuição de Tom foi imensa e sua saída desse movimento permanece obscura até hoje. Fato é que Tom já trabalhava com novos conceitos estilísticos muito antes de ajudar na formação e desenvolvimento do Tropicalismo.

O primeiro disco foi gravado em 1968, mesmo ano em que venceu o festival da Record. Após a participação na Tropicália, Tom Zé gravou dois discos importantes: Todos os Olhos (1973) e Estudando o Samba (1974). Esses dois trabalhos, em especial, possuem muitos elementos inovadores que os colocaram longe do entendimento da crítica musical da época e do consumo de massas. Tom Zé não foi compreendido e caiu num ostracismo que durou quase duas décadas.

Durante esse tempo, ele não deixou seus conceitos vagarem à própria sorte e continuou sua caminhada. Músico experimentalista, investiu no projeto de uma orquestra de instrumentos inusitados: enceradeiras, aspiradores, vassouras, martelos e muitas outras coisas. Em meados dos anos 80 ele resolve voltar para Irará e lá se torna gerente do posto de gasolina de seu primo. Enquanto administrava bombas de combustível, uma das mil cópias do disco ‘Estudando o Samba’ chegou às mãos do ex-vocalista do Talking Heads.

David Byrne havia acabado de montar um ‘selo’ e buscava novas sonoridades para compor o casting de sua empresa fonográfica. O produtor sueco viajou ao Rio de Janeiro e comprou uma sacola de LP’s num sebo da cidade. Ao ouvir o trabalho de Tom Zé, David não teve dúvidas. ‘The Best of Tom Zé’ foi o primeiro lançamento do selo de David Byrne e compilou as melhores canções do ‘Estudando o Samba’ e ‘Todos os Olhos’, ficando entre os dez melhores discos daquela década.

O reconhecimento internacional foi imediato e Tom Zé passou os anos 90 em turnês pelo mundo. Ele ganhou ótimos elogios das principais revistas especializadas e chegou a ser comparado com Frank Zappa, recebendo o apelido de ‘The Father of Invention’ – uma alusão à banda de Zappa chamada ‘The Mothers of Invention’. Ao contrário de quase todos os artistas brasileiros em voga, Tom Zé faz música conceitual e consegue respeito no exterior sem precisar de mulatas gostosas e de outras alegorias do carnaval. Desde a retomada da carreira no início dos anos 90, Tom trabalha sem parar com aquilo que mais gosta e nas horas vagas cuida do jardim do prédio da frente.

O mais lamentável dessa história toda é que foi preciso um gringo para nos ajudar a enxergar a beleza de um trabalho diferenciado. E quando vamos nos referir à trajetória dele, sempre lembramos que ele é o cara que saiu de um posto de gasolina do interior da Bahia para fazer turnê na Europa. Ao aplicar esse tipo de rótulo provamos que ainda não conseguimos assimilar a qualidade de seu trabalho. E ele sabe disso. Ao pisar no palco de um programa de auditório, a primeira coisa que Tom Zé diz para a platéia é: “Eu sei que vocês não gostam do estilo, mas tenham um pouco de paciência minhas queridas.”.

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