RCM 2016 – Games e Narrativa

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É muito gratificante ver que os games estão ganhando um pouco mais de espaço no mercado audiovisual brasileiro. O painel sobre games e narrativa foi um dos mais esclarecedores do Rio Content Market, na minha opinião. Porém, precisamos considerar que tudo ainda está muito no início na área de games. Se avaliarmos que o mercado audiovisual brasileiro ainda está amadurecendo, graças à Lei 12.485, podemos dizer que o mercado nacional de games está apenas terminando sua gestação.

São raros os casos de games brasileiros que fizeram sucesso no exterior ou arrecadaram milhões de dólares em vendas. Mesmo assim, é possível afirmar que temos desenvolvedores talentosos por aqui e eles também precisam de fomento. O mercado de games é mencionado em alguns editais do FSA. O PRODAV 3, que tem foco nos núcleos de desenvolvimento, menciona a elaboração de roteiro para games.

Há um horizonte pela frente e é preciso trilhar esse caminho com boas histórias. Mas como fazer storytelling num ambiente narrativo que se caracteriza pela interatividade? Mitikazu Lisboa, CEO da HIVE Digital Media, fez uma apresentação bem interessante para responder essa pergunta.

Sobre a Hive Digital Media.

Mitikazu Lisboa tem vasta experiência no mercado de games. Já foi desenvolvedor de gigantes do setor, como Sega e Capcom. Em 2007 fundou com um sócio a Hive Digital media. A empresa se tornou a maior desenvolvedora de jogos brasileira. Apesar da trajetória no mercado de games, eles passaram a trabalhar com outros tipos de produtos digitais pois perceberam que o Know How de distribuição dos jogos também servia para outros tipos de produto.

O potencial do mercado de games.

Os games movimentam cifras extraordinárias. Trata-se do maior mercado de entretenimento do mundo, gerando cerca de US$ 70 bilhões ao ano. Esse volume todo de receita pode ser explicado por uma característica do produto game. O ciclo de vida de um jogo é muito maior do que o de um filme ou uma série, por exemplo. A curva dos games se sustenta por mais tempo e gera mais engajamento ao longo do tempo. Atualizações, bons ambientes de multiplayer e DLCs são os principais motores de retenção.

GTA V – O jogo mais lucrativo da história. US$ 1 bi em dois dias.

Atualmente existem cerca de 115 milhões de gamers somente na América Latina. No Brasil são 50 milhões de pessoas que jogam algum tipo de jogo, seja num console, num fliperama ou no celular. O mercado publicitário também vê os games como mídia e alguns modelos de negócios já foram trabalhados com games.

Modelos de negócios para games.

O Game Advertising se caracteriza pela presença da marca no mundo virtual, assim como ela faz no mundo real. O anunciante paga para sua marca estar dentro do universo do vídeo game. Um outro modelo de negócio é o Advergaming. Trata-se de games produzidos pelas marcas e que levam o nome dela no título. Esse tipo de jogo está vivendo uma tendência de queda atualmente, pois as marcas perceberam que o impacto desses jogos promovidos não é tão grande assim. Os consumidores veem eles como parte de uma campanha publicitária e não como uma nova experiência de jogo.

Além disso, há a janela do eSports. São jogos que reúnem milhares de jogadores e fãs nas partidas, assim como acontece em esportes tradicionais como basquete ou futebol. Títulos como League of Legends, da RIOT Games, reúnem uma grande comunidade de fãs e movimentam alguns milhões de dólares.As transmissões dessas partidas se assemelham às transmissões esportivas tradicionais. Há uma grande oportunidade de mídia nessa área. Para se ter uma ideia, as transmissões do campeonato de League costumam ter entre 200 e 300 mil pessoas assistindo online. A final brasileira desse campeonato em 2015 aconteceu no Alianz Parque e reuniu mais de 15 mil pessoas no estádio. Contudo, essa audiência tem um comportamento silencioso. Não é fácil de identificar esses movimentos pois isso não aparece para o grande público.

Ainda há a Gamification. Trata-se de uma estratégia para incluir mecânicas de jogos em coisas que não são jogos. Vários sites e aplicativos usam conceitos de gamification e fazem sucesso. Mas como isso acontece?

Games e Narrativa – elementos que existem num grande jogo.

Os jogos trabalham muito bem a expectativa e as vontades dos jogadores, equilibrando frustração e interesse. Mecânicas que fazem muito bem isso trabalham no que Mitikazu chamou de Golden Gamification Zone. Para atingir esse estágio, a teoria de desenvolvimento de jogos menciona o equilíbrio entre quatro hormônios nos jogadores: Endorfina, Oxitoxina, Serotonina e Dopamina.

Dopamina

Este último é o hormônio mais importante para os games pois ele desperta a ganância nas pessoas, a vontade de querer mais e mais. O que direciona essa vontade são as recompensas que os jogadores conseguem por meio do jogo. Existem dois tipos de motivadores para conquistar as recompensas: os extrínsecos e os intrínsecos.

Os extrínsecos são recompensas sem grande poder de persuasão. Tratam-se de recompensas simples e materiais, pura a simplesmente. Então por exemplo, você usa seu cartão de crédito para ganhar pontos para depois trocá-los por um liquidificador. O efeito da recompensa acaba quando você recebe o liquidificador em casa e faz o seu primeiro suco de laranja com ele. A experiência acaba ali.

Já os motivadores intrínsecos são um pouco mais complexos e se baseiam em quatro aspectos: Controle, melhoria, causa e social. Então o jogador consegue algo (controle), que lhe promove alguma vantagem (melhoria), para ele poder desempenhar um papel importante na aventura (causa) que é maior do que ele, e ainda poder mostrar isso aos outros jogadores (social). Isso é o que gera engajamento.

Bons jogos tentam retirar as motivações extrínsecas e trabalham muito os intrínsecos, pois estes ativam os hormônios mais profundamente. Ter amigos dentro do jogo, pessoas que possuem os mesmos interesses que você, também é algo que ajuda a lapidar um game de sucesso. O conforto entre os pares é o que vai criar  as comunidades.

Bowser, o eterno inimigo do encanador mais carismático do mundo.

A aversão à derrota é outro fator que gera engajamento, pois as pessoas não gostam de perder. Se a tarefa a ser desempenhada não for estupidamente difícil, o jogador vai repetir para tentar realizar. E quando ele realizar a tarefa mega difícil e chegar a recompensa, ela precisa ser a mesma para outros jogadores que conseguiram feitos parecidos.

É a equidade de recompensa. Os melhores prêmios são para os melhores jogadores. Se um jogador que mata uma simples tartaruga no Mario recebe a mesma recompensa do que aquele que mata o Bowser, haverá uma perda de interesse no jogo.

O Storytelling nos games.

O Storytelling cria jogos muito impactantes quando aliado aos elementos que mencionamos acima. O poder das histórias cria empatia, engajamento, ajuda a transportar os jogadores para outro universo, reforça a memória, a percepção multisensorial, ativa os hormônios e ativa áreas mais difíceis do cérebro. Enfim, um jogo converte e vende bem quando ele conta uma boa história.

E o tempo todo, o que a história faz dentro de um jogo é tirar os motivadores extrínsecos dali, promovendo os motivadores intrínsecos. Desse modo, ao jogar Skyrim, você não vai apenas ser um elfo que tem algum êxito matando dragões. Você vai descobrir que é filho de um dragão e possui os mesmos poderes que eles e vai ser o único sujeito capaz de salvar a região dessa ameaça.

Nesse sentido, recomendo a leitura de um review que publiquei aqui há algum tempo atrás, do jogo The Last of Us. Para mim, trata-se do melhor storytelling já feito para um jogo e o engajamento que isso gera é incrível. Fiquei chocado na cena em que o protagonista do jogo morre. (spoillleeerrrrr) E isso só aconteceu pois o jogo me envolveu com uma boa mecânica e uma história interessante.

Por essas e outras é que existem muitas oportunidades no mercado de games, especialmente se considerarmos os jogos como mídia. Afinal, cada vez mais pessoas jogam cada vez mais. E com boas histórias é possível prender a atenção e transmitir suas mensagens.

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