WS Craig Bolotin (03/03): Escrita para o Mercado Internacional

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Esta é a terceira e última parte do resumo do Workshop ministrado pelo americano, Craig Bolotin, em São Paulo. O curso foi promovido pela Operahaus e minha participação foi uma cortesia da Associação dos Roteiristas. Antes de seguir com a leitura deste post, é recomendável que você leia as duas partes anteriores. Acesse pelos links abaixo.

Workshop de roteiro – terceiro dia: Escrita para o Mercado Internacional

Aberturas e apresentações.

O Domingo começou com análise de filmes. O primeiro assunto abordado por Craig foi a questão das aberturas e apresentações, que devem ocorrer no primeiro ato. Para mostrar como diferentes autores optam por contar suas histórias, ele comparou duas versões do mesmo filme.

Filme: Os homens que não amavam as mulheres (versão Sueca)

workshop de roteiro - Os homens que não amavam as mulheres

Na versão sueca de “Os homens que não amavam as mulheres”, a apresentação da protagonista é feita rapidamente. Nos primeiros instantes do filme podemos ver uma figura feminina misteriosa, realizando espionagem. Apesar de não podermos ver o rosto dela logo no início, já sabemos que ela existe e temos uma breve ideia de como ela é.

Numa das cenas da abertura, somos levados até o apartamento, um tanto quanto bagunçado, onde ela organiza a papelada da investigação. Pouco tempo depois, essa garota punk-hacker-detetive comparece numa reunião num prédio luxuoso e finalmente entendemos o que ela estava fazendo. A apresentação dela é feita com algum mistério, pois demoramos uns 10 minutos até ver claramente o rosto da personagem.

Nessa mesma abertura, Craig aproveitou para falar sobre a exposição. Trata-se de um recurso de roteiro para contextualizar a história. Na versão Sueca, uma exposição é feita por meio de jornais numa banca, com manchetes relatando uma polêmica envolvendo um dos protagonistas. A exposição nos ajuda a entender o background dos acontecimentos que estamos assistindo.

Filme: Os homens que não amavam as mulheres (versão Americana)

os-homens-que-na-amavam

Já na versão americana do mesmo filme, a protagonista é apresentada de modo diferente. Os primeiros minutos do filme são reservados ao caso da polêmica envolvendo um dos protagonistas. A nossa amiga punk-hacker-detetive é apresentada somente na cena da reunião. Porém, antes disso é criada uma certa expectativa sobre quem ela é. Do mesmo modo como foi feita a apresentação de Hannibal em “O silêncio dos inocentes”, a apresentação de Lisbeth Salander é feita com impacto.

São estratégias diferentes, que chegam em resultados parecidos, mas não iguais. Craig diz que esse tipo de coisa é uma opção de roteiro, trabalhada minuciosamente antes do filme começar a ser rodado. Nessa versão do filme, a exposição é feita com um noticiário de televisão.

Sobre o segundo ato.

Depois de um merecido Coffee Break, Craig começou a abordar com mais detalhes o segundo ato. É onde a maioria dos roteiristas empaca. Ele citou como exemplo o filme Tubarão, dizendo que depois da apresentação no primeiro ato sobra muito pouco para contar. Se o autor-roteirista continuar escrevendo a história principal, ela irá acabar em 50 minutos de filme. Por isso, as subtramas são muito importantes.

O segundo ato é a maior parte do filme, chegando a possuir até 60 minutos de duração em média. Para não empacar no desenvolvimento da história, é preciso desenvolver subtramas para que ela fique mais interessante e menos chata.O terceiro ato é onde coisas grandes acontecem. Esses acontecimentos precisam ser preparados antes. Portanto, o segundo ato é onde a tensão do seu filme irá crescer. Os obstáculos enfrentados pelos protagonistas se tornarão cada vez maiores, os problemas serão cada vez mais graves.

Uma boa maneira de conduzir o segundo ato nesse sentido, é utilizando as reversões. Elas são uma espécie de ‘vitórias falas’ dos personagens. Em Tubarão, pescadores da cidade conseguem capturar um tubarão numa das primeiras tentativas de busca. Isso é uma vitória. A comunidade fica feliz com a captura e começam a se sentir seguros novamente. Contudo, um biólogo alerta as autoridades locais de que esse não é o tubarão que vem atacando as pessoas. A tensão volta ao semblante dos protagonistas. Isso é reversão.

No final do  segundo ato, o problema enfrentado é tão grande, que ele criará uma expectativa enorme para a resolução da história no terceiro ato. É onde acontece o Climax. Algumas vezes o conflito pode ser resolvido, mas deixando um problema para o personagem. Em “O Poderoso Chefão”, Michael termina megapoderoso, mas sem o amor de sua mulher.

Aqui vale ressaltar algo que aprendi em outro curso de roteiro, da EICTV com Yolanda Barassa: Quanto maior for a sua crise, maior será o climax. A crise é o grande problema que Craig menciona no final do segundo ato. Trabalhe bem esse problema e você terá um climax impactante.

Três aspectos das cenas.

Em seguida, Craig explicou alguns conceitos básicos que compõe uma cena. Segundo ele, a cena é um evento. Por isso, é preciso que aconteça alguma coisa a cada cena que for escrita. Ela também é um microcosmo do filme. Se levarmos a ideia dos três atos para dentro de uma cena, poderemos organizar melhor os eventos. Craig passou também, três coisas que devem existir em todas as cenas:

  1. Quem quer o quê de quem?
  2. O que acontece se ele não conseguir?
  3. Porque agora?

Se as três perguntas não puderem ser respondidas, talvez sua cena não tenha que estar no filme. Essas perguntas ajudam a criar tensão dentro da cena, com algo que ele chama de “elevar o que está em jogo”. Se a tensão for física, é mais eficiente. Por exemplo, um homem que precisa entrar num avião, mas chegou atrasado ao embarque. O ato dele entrar no avião é algo físico. Dependendo da personalidade do personagem, a reação ao atraso vai ser diferente. Há quem simplesmente lamente a perda do voo, mas também há os que tentarão invadir o avião à força. Craig completou a explicação com uma citação, para deixar nossas cenas mais tensas e interessantes:

Toda cena é uma sedução, negociação ou uma briga.

O que é o Tema?

O próximo tópico abordado foi a questão do tema da obra. Craig fez essa explicação passando alguns exemplos. Ele disse que o Amor não é um tema, mas uma mensagem do tipo “Amor é mais importante do que sucesso financeiro” é um tema. Lembram do Jerry Maguire? Outros exemplos:

Cobiça não é um tema.
Cobiça prevalece, é um tema.
Crime compensa, ou não compensa é um tema.

Sob essa questão do tema, existem nuances que podem ser explorados no filme. Por exemplo, em “O Poderoso Chefão”, quanto mais implacável o mafioso Michael for, mais o crime compensará para ele. Nesse ponto, Craig também falou um pouco sobre o processo de escrita. Ele disse que é normal não saber qual é o seu tema ao começar a escrever a obra. Apesar de todos os manuais de roteiro serem estruturalistas, escrever sob intuição é muito importante.

A estrutura ajuda a manter sua história num certo sentido, mas nunca deixe sua intuição de lado. Para reforçar essa ideia, ele atacou os autores de manuais de roteiro dizendo que nenhum deles ganhou dinheiro escrevendo roteiros. Nenhum possui roteiros que foram filmados. Estrutura é muito importante, mas não é tudo.

Como começar seu roteiro.

A última parte do workshop foi dedicada ao debate sobre o início da escrita. Craig explicou o processo que ele utiliza ao começar a trabalhar num roteiro. Primeiro ele faz o ‘download’ das ideias e as escreve em fichas. Em seguida, ele organiza a Outline, que é uma espécie de escaleta. Ele descreve cada cena em uma ou duas linhas. O aprofundamento da outline orienta o trabalho de pesquisa, que pode ser feita em campo ou com a ajuda de especialistas.

Depois, com as fichas ele organiza a história em atos. Normalmente ele usa uma lousa pra fazer isso, mas há quem faça na parede. Aí vem o trabalho de escrever o roteiro. É comum sair umas 20 páginas nessa primeira incursão pela história. Quando ele consegue chegar em 60 páginas, já é possível perceber como será o final. A cada vez que ele começa a escrever, ele revisa tudo o que já escreveu. Desse modo, quando Craig termina a primeira versão do roteiro, o primeiro e o segundo ato já receberam alguns tratamentos.

Reforçando a ideia de escrever sob intuição, Craig disse que não cria biografias de personagens antes de escrever o roteiro. Ele prefere encontrar a história na medida em que vai escrevendo e revisando. É comum utilizar músicas para guiar o trabalho. O repertório sempre corresponde ao tema da obra, pois ele ajuda o autor a atingir um estado emocional específico que é importante para aquele roteiro.

Craig reforçou também que é preciso ‘escrever mal’. Se você tentar atingir a perfeição na primeira escrita do roteiro, provavelmente você não conseguirá terminá-lo. Escrever mal ajuda a não deixar a folha em branco e afasta o blecaute de ideias. O Copola usa esse processo. Ele escreve rápido e mal, e depois vai revisando e melhorando a história do mesmo modo como um pintor trabalha várias camadas de tinta ao criar um quadro. James Cameron costuma escrever 40 páginas de prosa sobre a história do filme, antes de começar seu outline.

Craig reforçou também que você precisa se sentir seguro para falhar e ir na direção errada por um tempo. Quando acontece de ficar empacado na história, ele se retira para um hotel e escreve a esmo. O bloqueio criativo é uma autocrítica que te imobiliza. Parte do processo de escrita é convencer a si mesmo que você consegue escrever. Nesse sentido, ele fez outra citação:

Escreva como se estivesse bêbado e revise como se estivesse sóbrio.

Além disso, é sempre importante ter em mente que “escrever é reescrever”. Ao terminar um roteiro, o que acontece após uns quatro tratamentos em todo o texto, Craig entrega uma cópia para pessoas de sua confiança. Depois de receber as críticas, ele trabalha em mais alguns tratamentos até a obra ficar pronta. Todo autor/roteirista precisa ter alguns leitores de confiança para lhe ajudarem com os primeiros feedbacks sobre o texto.

E assim ele finalizou o terceiro dia de Workshop. Foi uma experiência bem interessante, pois durante esse contato pude perceber que algumas práticas que realizo por intuição também fazem parte da rotina dele. Para mim, o mais importante não foi saber sobre as estruturas e as técnicas de escrita, mas sim perceber que valorizar o seu feeling para a história é tão importante quanto escolher a estrutura certa para contá-la.

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