WS Craig Bolotin (02/03): Escrita para o mercado internacional

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Este é a segunda parte do resumo do workshop ministrado por Craig Bolotin em São Paulo. Focado na escrita para o mercado internacional, o roteirista com 30 anos de experiência em Hollywood passou um pouco das suas experiências durante um evento de três dias na Operahaus.

Segundo Dia: Escrita para o mercado internacional.

O sábado começou animado, com Craig falando um pouco mais sobre o mercado audiovisual americano. Segundo ele, o mercado de TV nos EUA era visto, por quem trabalhava em cinema, como algo inferior e de segunda classe. Mas isso mudou muito com a ascensão de séries como Breaking Bad, The Wire, Mad Men, Homeland e House of Cards. Muitos produtores e roteiristas do cinema migraram para a TV, tornando-o um mercado tão importante e rentável quanto a sétima arte.

História versus Plot.

Depois desse bate papo sobre o mercado americano, Craig Bolotin continuou seu programa abordando a questão do tema da obra. Ele citou três filmes que abordam o assunto do racismo e escravidão.

  • Django Livre: gênero faroeste;
  • 12 anos de escravidão: gênero drama;
  • Distrito 9: gênero ficção científica.

Os filmes dessa lista abordam o mesmo assunto, mas cada um se apoiou em um gênero diferente para desenvolver sua história. Reforçando o que ele havia falado no dia anterior, os gêneros são ferramentas que ajudam a organizar o modo como a história será contada.

Aprofundando o assunto, ele mostrou a diferença do ‘plot’ para a história. O plot é o que faz a história andar. Trata-se de uma sequência de ações ou eventos da história. Em geral, ele carrega uma relação de causa e efeito. Se um personagem mata outro, é capaz que alguém queira vingar essa morte. O desejo de vingança não existiria se o personagem não tivesse sido assassinado. Isso é um plot. A vingança existe somente porque alguém morreu. Já a história está mais relacionada ao tema geral. É algo mais amplo, enquanto o plot é específico.

Estrutura de 3 atos.

Além de se apoiar no gênero, a história precisa de uma estrutura para ser contada. A mais comum no cinema é a estrutura de 3 atos. Contudo, nas séries de TV americanas há estruturas de 4, ou até mesmo 5 atos. Craig não gosta de regras e diz não se importar muito com quantos atos a história vai ter. Mais uma vez, ele disse que é preciso conhecer as regras para poder quebrá-las.

Ele passou o paradigma do Syd Field para falar da estrutura dos três atos. Trata-se de um paradigma muito criticado por alguns roteiristas, pois ele ‘exige’ que a história se adapte a uma minutagem aproximada. O primeiro ato com 30 minutos, o segundo com 60 minutos e o terceiro com outros 30 minutos. Sendo que as premissas da história devem ser apresentadas nos primeiros 10 minutos do filme.

Craig disse que esse paradigma é bastante antigo, pois o livro de Syd Field foi escrito há muitos anos atrás. Contudo, ele pode servir como um ponto de partida para a organização da história. Afinal, durante a escrita, ninguém precisa ficar preso num ponto de virada aos 30 minutos do filme.

Finalizando esse assunto, ele apontou que um longa metragem costuma ter algo em torno de 60 cenas. Portanto, escrever pra cinema significa escrever aproximadamente 60 cenas. É claro que podem haver mais, ou podem haver menos. O fato é que esse número de cenas pode servir como uma meta para organizar o trabalho do roteirista.

Sobre os personagens.

Em seguida, Craig Bolotin começou a falar sobre as personagens e sua importância para a história. Ele disse que existem duas maneiras de produzir um filme original nos EUA. A primeira é escrevendo uma história realmente incrível. Para isso será preciso ter bons personagens. A segunda maneira é escrever um grande personagem para um grande ator. Os conflitos dos personagens são extremamente importantes para a história. Alguns conflitos mais comuns são relacionados ao uso de drogas e a problemas psicológicos. Os atores costumam gostar muito de interpretar personagens complexos.

Simpatia versus empatia.

Ao criar o personagem é preciso fazer com que ele tenha empatia com o público. Para explicar esse conceito, Craig mostrou a diferença entre simpatia e empatia. Você não simpatiza com o Don Corleone, de O Poderoso Chefão. Contudo, ao longo do filme podemos entender os motivos que o levaram a ser o criminoso que ele é. Don Corleone faz tudo por sua família. Apesar de ser um grande criminoso, o público cria empatia com esse personagem pois o motivo dele é louvável.

“Gravidade” possui uma história forte no background, sobre a superação da perda de um filho para a personagem da Sandra Bullock. É um forte conflito interno, paralelo com o conflito externo de voltar pra terra após a explosão da nave. Essa superação pessoal da personagem ajuda a criar empatia.

Fundamentos do primeiro ato.

Voltando a falar sobre a estrutura da história, Craig explicou alguns fundamentos importantes a serem observados no primeiro ato. E completou:

Se o seu terceiro ato não funciona, é porque o primeiro ato não funciona.

Segundo ele, cinco elementos ajudam a construir um bom primeiro ato:

1 – Introduzir o protagonista: Apresentar o personagem principal.
2 – Problema / Crisis / Introduzir o incidente: Apresentar o conflito da história ou do personagem.
3 – Dê-lhe um objetivo: Explicitar qual é o objetivo do personagem para sair do conflito.
4 – Antagonista: Mostre quem irá tentar impedir o personagem de chegar no objetivo.
5 – O fator, “E se?”: Introduza a dúvida. O que poderá acontecer se o objetivo não for alcançado? Por exemplo, em “Alien, o Oitavo Passageiro” se a tripulação não matar o Alien, ele irá matar toda a tripulação da nave.

Um outro fator muito importante, que pode estar presente nos três atos, é a reversão de situações. É quando achamos que o personagem está se dando bem, mas em seguida ele se dá muito mal. Ou quando ele está numa pior e subitamente se dá bem. As reversões ajudam a prender a atenção do público. Esse conceito de reversão me lembrou muito uma das etapas da Jornada do Herói conhecida por “Barriga da baleia” ou “Testes, Inimigos e Aliados”. Trata-se da parte da jornada onde o herói já abandonou seu lugar seguro e começa a enfrentar as dificuldades da jornada.

As reversões podem causar alguma confusão, mas isso não é um grande motivo para se preocupar. Craig reforçou que não é preciso fazer a plateia entender tudo. É preciso fazer com que eles se importem. E tudo o que a plateia quer saber é: “o que vai acontecer agora?”. Para criar esse tipo de expectativa no público, é preciso entender muito bem a sua audiência antes de começar a escrever a história.

Para exemplificar tudo o que foi falado, Craig comentou trechos de alguns filmes.

Filme: Tubarão

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Possui uma série de reversões no primeiro ato pra apresentar e valorizar o conflito. Uma reversão é usada pra causar impacto no final do primeiro ato. Essas reversões elevam e abaixam o arco do personagem rapidamente, criam interesse e tensão. É importante manter essa polarização até o final do filme.

Filme: Jerry Maguire.

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Também mostrou como as reversões são usadas. Disse que na comédia é importante ter sempre dois conflitos acontecendo ao mesmo tempo na cena.

Filme: Silêncio dos Inocentes.

hannibal-lectorFalou de gênero, mencionando que se trata de um thriller de serial killer, mas com uma mulher no papel de detetive. Também falou sobre a apresentação do personagem Hannibal. Durante os dez primeiros minutos nós só ouvimos falar o personagem, que ele é um assassino cruel, canibal, um verdadeiro monstro. Até que a detetive vai visitá-lo na cadeia. A audiência espera ver um monstro e a cena nos apresenta, com um certo suspense, um homem culto e extremamente inteligente. Essa quebra na expectativa é algo muito impactante e que valoriza bastante o perfil do personagem.

Em seguida, Craig recomendou a leitura do livro do Hitchcock sobre como escrever terror e suspense. Não consegui achar a referência desse livro. Se alguém souber qual é o nome da obra e editora, me avisa nos comentários para eu atualizar o post. =)

Ainda no gancho do Hitchcock, Craig explicou a diferença entre a surpresa e o suspense. Suspense é construído, e a surpresa é impacto. Terminando a aula, Craig falou sobre o trabalho do escritor/roteirista. Reforçou a ideia de que todo trabalho de escrita não vale de nada se não for reescrito. Nas palavras dele:

Toda a escrita é reescrita. O verdadeiro escritor é aquele que termina a obra. Mesmo que não fique boa. Ele termina.

Para explicar a importância da reescrita, Craig disse que se um filme possui 100 problemas, 80 serão resolvidos no roteiro, 10 na gravação e os últimos 10 na edição.

Fique ligado no blog, para acompanhar a terceira e última parte do resumo do workshop de Craig Bolotin em São Paulo.

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